— "É em um dia como esse, mais cedo ou mais tarde, que você descobre, sem surpresa, que algo está errado. Que você não sabe viver e que você nunca vai saber."
Você está só. Você aprende a andar como um homem solitário, a flanar, a ser ocioso, a ver sem olhar, a olhar sem ver. Você aprende a arte da transparência. Imobilidade. Inexistência. Você aprende a ficar sentado, deitado ou em pé. Você aprende a olhar as pinturas, como se fossem pedaços de parede ou teto. As paredes, como se fossem pinturas, cujas rachaduras são seguidas incansavelmente. Labirintos impiedosos. Textos que ninguém nunca decifrará. Rostos em decomposição. Você está vivendo em um parêntese feliz, em um vazio cheio de promessas, do qual você não espera nada. Você está invisível, límpido, transparente. A armadilha: a perigosa ilusão de ser impenetrável, de não oferecer risco ao mundo lá fora, de sumir, deslizar, apenas dois olhos abertos, olhando para frente, percebendo tudo, sem reter nada.
Tudo é vago, latejante. Sua respiração é espantosamente regular. Como as horas, os dias, as semanas, as estações de deslizam, você desconecta-se de tudo. Você descobre, com algo que às vezes quase se assemelha com alegria, que você é livre, que nada está pesando, nada agrada ou desagrada. Você descobrirá, que nesta vida vazia e desgastante de inseto, além destes momentos suspensos, uma felicidade quase perfeita, fascinante, ocasionalmente inchada por novas emoções. Você está vivendo em um parêntese feliz, em um vazio cheio de promessas, do qual você não espera nada. Você está invisível, límpido, transparente. Você nem sequer existe; por trás da passagem de horas, da sucessão dos dias, a procissão das estações do ano, o fluxo do tempo, você sobrevive, sem alegria e sem tristeza, sem um futuro e sem passado. Apenas de forma simples, auto-evidencial. Como uma gota d'água formando uma queda, como seis meias de molho em uma bacia de plástico cor de rosa, como uma mosca ou um molusco, como uma árvore, como um rato. Mas os ratos não passam horas tentando dormir. Mas os ratos não acordam tomados pelo pânico, banhados em suor. Mas ratos não sonham. E o que você pode fazer para se proteger dos seus sonhos? Mas os ratos não roem as unhas, pelo menos não por horas, até que suas garras se tornem uma imensa ferida.
A indiferença dissolve a linguagem e embaralha os sinais. Você é paciente e não espera... Você é livre e você não escolhe. Você está disponível e nada desperta seu entusiasmo. Você ouve, sem nunca escutar, vê, sem nunca olhar. Alguma coisa se quebrou. Você já não se sente confortado. Algo que até então lhe trazia calor ao coração, a sensação de existir, a impressão de pertencer ou de estar no mundo, está começando a lhe faltar. Seu passado, seu presente, seu futuro se confundem: eles agora são apenas o peso de seus membros, sua enxaqueca irritante, a amargura em seu nescafé. Mas aquelas mil palavras, milhões de palavras que secaram em sua garganta, as palavras sem sentido, os gritos de alegria, as palavras de amor, o riso dos tolos, quando você vai encontrá-los novamente? Agora você vive no terror do silêncio, mas não é você o mais silencioso de todos?
— "Você estava só, e queria queimar as pontes entre você e o mundo. Mas você é tão pouca coisa. A indiferença é inútil. Sua recusa é inútil. Sua neutralidade não tem sentido."